10 dezembro, 2010

Faz-me falta a maresia.

Nos dias de chuva, se não posso ver o mar, 
gosto de o imaginar dentro do meu quarto. 
Faz-me falta a maresia.
Então oiço Arvo Part.

Alice a caminhar sozinha.

Partir.

Era ainda noite fechada
Levantei-me e parti. 
Fui em direcção ao mar. 
Segui a rebentação das ondas, apanhei conchas, 
contornei falésias; 
afastei-me de casa o mais que pude. 
Vi a manhã erguer-se, branca, e envolver uma ilha; 
vi crepúsculos e noites sobre um rio,
amei a existência.
Al Berto

Alice a caminhar sozinha

Nos acasos.

Nos acasos crescemos.
Nos acasos morremos e tranformamo-nos em pó.
E no pó da existência voamos nos céus vadios e luminosos.
Nos acasos a existência percorre um caminho sorridente,
entre o principio e o final de tudo.

Alice e os Acasos



02 dezembro, 2010

Avib.


O meu nome é Avib. Tenho 10 anos e vivo à nove neste aquário. Agora tenho esta cor encarnada, mas nem sempre foi assim. Vim de muito longe, daqueles lugares em que as águas são mornas e a areia tão fina que quase parece voar. Nessa altura era negro e parecia feito de rocha preta. Aprendi posteriormente que o meu corpo poderia mudar de cor sempre que eu quisesse, para me defender das ameaças dos rios.
Agora estou em casa de um homem que passa os dias a mudar as cores do mundo. Assim e como devem imaginar, não necessito de fazer qualquer esforço para viver.
Um dia acordei e lá estava ele, o pintor, a olhar para mim com os olhos muito abertos. Confesso que me senti bastante assustado, a ponto de sentir a vida ameaçada. Ainda a tremer, decidi que se fosse negro, talvez ele se sentisse também intimidado. Mas acho que esta não foi uma decisão sábia, pois, imediatamente a seguir a ter reparado na minha mudança de cor, começou a falar em voz alta e a gesticular, como se estivesse muito furioso. Talvez a cor negra tivesse sido muito agressiva para ele e quem sabe, tivesse ficado muito irritado comigo. A passagem dos anos deu-me esta capacidade de reflectir sobre as experiências e por isso resolvi que a melhor solução seria tentar uma conciliação.
Já mais calmo, o pintor olhou para mim. Eu era agora um peixe amarelo.

Alice
Alice e as estórias do mundo

Al Berto, O Medo

       em tempos li muitos livros, hoje raramente leio. os livros cansaram-me, devoraram-me a pouco e pouco o prazer de ler. 
         o vento da noite traz imagens: um rapaz de calcário deitado no dorso de um cavalo azul perfura a claridade do mar. abro a janela do sonho, aceno-lhe, mas ele não me pode ver.
         uma ave de palavras escreve no espaço a remota sabedoria do voo, depois desce e vem pousar suavemente na palma da mão. olho-a mas não ouso tocar-lhe.
acordo quando a ave e o rapaz se deitam sobre a pele. abro os olhos e estendo a mão e o corpo para fora do sono, ergo-me por dentro do imenso vazio.
         tudo se despedaçou. o sonho, e o amor que é sempre tão breve. o mundo dorme sob o vento. só eu continuo acordado, em vigília. se houvesse agora uma catástrofe eu daria por ela. levantar-me-ia daqui para encarar a morte, dizer-lhe que são inutilidades o que arrasta consigo.
         estou gasto. dei-me sempre mais do que podia. não há nada que me possam roubar, sou um homem espoliado de todos os bens, de todas as doenças, de todas as emoções.  sou um corpo pronto para a viagem sem regresso, para o crime e para a morte. sou um corpo que se evita, um homem cujo nome se perdeu e cuja biografia possível está no pouco que escreveu.  sou um corpo sem nacionalidade, pertenço às profundidades dos oceanos, ao voo da ave migrante. sou um alfabeto e não sei se terei tempo para me decifrar.
         lá fora anoiteceu.
         são raras as claridades que do sangue sobem ao rosto. há um lume invisível no teu olhar, uma visão que o espelho me revela: cintilam cristais enquanto dormes, uma árvore cresce nos pulmões.  assim construo as paisagens, assim te ofereço a morada de sossego e de prazer. mas tu não vens, porque me és exterior. posso criar o universo inteiro a partir das minhas células, só não posso criar-te a ti, corpo que morre na falsa juventude dos espelhos...
         ... a paixão revelou-se-me no instante em que percebi que sabia quase tudo da vida, mas já não foi possivel perder-me na tentação do suícidio. nunca amei e nunca fui amado: ignoro se isto é verdade, o mai provável é ter inventado, um dia, esta mentira, unicamente para me salvar.
         que horas serão para lá deste século?
         onde estaremos neste momento?
         estarei eu em ti ou serás tu que me devoras e me comoves?
         ... teu nome, pronuncia teu nome para que seja impossível esquecer-me do meu. diz-me o teu nome de ontem, quando éramos o reflexo exacto um do outro.  toca-me o rosto com o teu nome, ou pousa-o sobre as mãos; debruça-te para dentro de mim e deixa que o segredo do tempo fulmine os ossos.

in «O Medo 3», 1985


Alice  e as viagens

23 novembro, 2010

Rebecca Dautremer

Nas minhas viagens pela literatura infantil encontrei esta fabulosa ilustradora, da qual me tornei fã incondicional.
Não consegui parar de olhar para as suas fabulosas ilustrações, ricas em pormenores e em afectos.
Imaginar é voar....













Alice  e o Mundo Encantado

13 outubro, 2010

Cartas de Lady Alice,

Amo meu,
Desculpai minha ousadia, mas a inquietação perturbou de dúvidas o meu dia.
Apraz-vos pensar que sou um ser somente das trevas?
Pois sabei que a luz também invade a janela do meu quarto, deixando atordoada a minha alma.
Se me quereis, e eu digo, se me quereis una, conhecei de mim o negrume e a claridade de uma qualquer manhã de pássaros, sussurrando despertares.
Peço-vos, meu amo, meu servo leal, não mais me enclausureis em lugares longinquamente negros, de janelas fechadas.
Não mais regressarei a essas grades, juro, não mais regressarei.
Dai-me o céu, o ar e o vento na luz do dia, misturando-se na multidão e no lusco-fusco do anoitecer, na invisibilidade de nossos corpos despidos.
Se me quereis, e eu digo, se me quereis com a força de um desejo de fogo e na minha pele depositais vosso consolo, então levai-me para longe das grades tortuosas de outrora, salpicadas de sangue e mentira.
Ah, meu amo…serei vossa serva, se me deres asas; serei vossa condenação se me fizeres tumba.
E neste enlace do nosso caminho, nada mais me restará do que amarrar-me no cavalo mais veloz e fugir de vosso encanto.









Lady Alice.

Textos secretos de Alice

05 julho, 2010

Das cumplicidades.


o deserto a pairar no teu olhar.

não exclamavas sinais indecisos mas eu vagueava no vazio.
o gosto pela dúvida arruinava-me. era o desencanto...emergia no teu peito um tremor cálido de embaraços sempre contidos pela distância ténue e abismal que nos separava.
envolvia-me uma sombra túmida da qual dificilmente me libertaria, uma vez que a desolação era uma noite contínua.
no espaço gasoso duas formas simétricas ocupavam o mesmo espaço, limitado por linhas coloridas, já quebradas pelo embate. o ar impregnara-se de silhuetas orgânicas e deambulavas obsessivo como se me pretendesses alcançar e imediatamente libertar-me desse emaranhado de sensações e orgasmos fictícios.

ao fim da tarde iniciavas os cânticos do sol poente, murmurando sensualidades nos meus cabelos. ficava a pairar por entre o xaile negro...
não existia um tempo calculado e então, proliferavam ecolalias de desesperos, em mim, como se me afugentasses em cada momento da tua solidão.

eram reminiscências do passado que eu juntava ao olhar para o papel impresso de imagens. uma súbita sufocação pelo enlace das mãos e rapidamente o ódio pela paragem do tempo, imposto pela máquina. deixavas-te cobrir pelos picos de chuva que se reproduziam ensanguentados; depois o céu aberto em alucinações de mil corpos.

passava, roçando os cabelos no vento e com uma pedra esmagava-te a base do crânio até escorreres espanto. sorrias, desacreditado.

enterravas as velas na terra em actos de prestidigitação e intuía-se que o futuro seria melhor; mas, quase morrias no pesadelo criado. eu fui-me embora.

a vergonha da escuridão. vias-me nos templos, a passear nos véus, envolta em ares de nudez plácida e rapidamente tudo se esvanecia. porque pensarias nisto?
eramos anciães a procurar o passado longínquo, acumulado em reencarnações contínuas. porém, confundia-nos a incerteza do caminho...existia uma dúvida; podia não ser agora. regurgitavas exclamações num vómito fétido e quente; eu amava-te.

e percorria nas têmporas, o hálito adocicado da manhã, enquanto eras só de um corpo, para depois te multiplicares em razões inquestionáveis, porque , como eu depreendia, no âmago da cidade, o ar era claustrofóbico e não sabias qual era o ponto exacto da ruptura. nem eu.

a humidade desmaiava nas minhas mãos e eu apertava-as para redefinir a lógica delicada das emoções. em vão dizia-te que nos céus não há sons e logo cravavas interrogações. abandonavas-te em quimeras distantes do tempo ciciado em rumores.
sentias uma espécie de exaltação interior que se espalhava como uma doença maligna e se ia escondendo em cada recanto do teu corpo, nos poros suados, na mente que não parava de imaginar situações impossíveis; um arrepio que subitamente me aflorava a alma e descia pelos riachos do teu olhar. isto significava lágrimas de imagens passadas e lugares que conhecêramos; significava as folhas nos plátanos doirados quando o sol foge agoniado pelo embalo do mar. e no âmago incerto, eras a pedra que sustentava a angústia profícua do meu claustro.

desconhecia que depois jamais te iria encontrar... envolvia-me em desmemorizações e achava-te nas profundezas do filme. após a guerra nada restou... o silêncio de cor púrpura fincou as mãos na terra, imobilizando-me e as formigas caminhavam estremecidas pelo bater do coração. tornava-se inseparável o homem, da ausência no teu olhar. 
este mantinha-se em riste, perdido no céu vazio e a contemplação tornou-se o meu desespero. levantavas os braços e tudo se camuflava de areia branca, a ousar o domínio da razão, em correntes estáticas. eu já não sabia qual era o teu corpo, porque viajava incógnito na paisagem.

na melancolia sussurrante contavas-me os sonhos em vez das horas; eu, respirava o mundo em círculos giratórios. no tempo da luz, havia ilusões a dominar o pensamento das pessoas e o abraço era cruel, por entre as deambulações das mandíbulas famintas. 
nunca mais haveríamos de continuar por entre as cortinas, a ver ao longe um mundo que não era o nosso.

eramos poderosos de garras rendidas ao sonho e tudo podia esperar. ao fim da tarde começaste a ser uma névoa morna de cuidadosas transformações. mas aos poucos o céu foi transparecendo de outras imagens e eu já não podia avistar-te. 

quando a escuridão se tornou total eu soube nesse instante que tinhas morrido.

e no entanto, mesmo depois do silêncio chegado, quantas clausuras nos emparedaram. a interrogação abrupta tornou-se a minha sombra.

amedrontam-me as figuras do bosque, no dia claro, agora que já não estás aqui.
a rua já não é a mesma rua; enche-se de lágrimas de vez em quando e o mar inunda de angustias os meus dias.
se eles vierem cobre-me de pétalas de flores, para que eu possa ser o segredo nas tuas mãos... 
e deixa-me gritar.
In Cumplicidades, de Alice Laranjeira
(As 4 Luas de Júpiter)

30 junho, 2010

Sumire lutava literalmente com unhas e dentes para se tornar escritora. Nada se podia intrometer entre ela e a escrita tal como nada se pode intrometer entre nós e a nossa essência.

Tem sido sempre assim, desde miúda. Quando havia uma coisa que não percebia, agarrava, umas atrás das outras, nas palavras espalhadas a meus pés e alinhava-as, por forma a com elas construir frases. Quando não conseguia, voltava a espalhá-las, a arrumá-las segundo outra ordem. À força de repetir esse gesto vezes sem conta, tornei-me capaz de pensar sobre as coisas como o comum dos mortais. Para mim, escrever nunca foi difícil. Enquanto as outras crianças se divertiam a apanhar pedras ou bolotas, eu escrevia. Tão naturalmente como respirava.
in Haruki Murakami, Sputnik, meu amor
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Descobri esta preciosidade numa lista de livros preferidos de alguém. Fiquei muito curiosa para o ler, pois também eu gosto de espalhar as palavras para voltar a arrumá-las, de uma outra forma. Curioso, não?


Alice e as Descobertas



22 junho, 2010

verso a los ojos que están lejos


me he levantado muy temprano

y me sentado frente a la ventana,


a ver si veo


tus ojos.


pero nada descubro


en esos muros.


si encontrara tus ojos


me acharia a nadar en ellos.


j. sarrionandia. 

Alice e o amor.


20 junho, 2010

Em que pensar, agora, senão em ti?

Em que pensar, agora, senão em ti? 
Tu, que me esvaziaste de coisas incertas, e trouxeste a
manhã da minha noite. É verdade que te podia
dizer: «Como é mais fácil deixar que as coisas
não mudem, sermos o que sempre fomos, mudarmos
apenas dentro de nós próprios?» Mas ensinaste-me
a sermos dois; e a ser contigo aquilo que sou,
até sermos um apenas no amor que nos une,
contra a solidão que nos divide. Mas é isto o amor:
ver-te mesmo quando te não vejo, ouvir a tua
voz que abre as fontes de todos os rios, mesmo
esse que mal corria quando por ele passámos,
subindo a margem em que descobri o sentido
de irmos contra o tempo, para ganhar o tempo
que o tempo nos rouba. Como gosto, meu amor,
de chegar antes de ti para te ver chegar: com
a surpresa dos teus cabelos, e o teu rosto de água
fresca que eu bebo, com esta sede que não passa. 
Tu: a primavera luminosa da minha expectativa,
a mais certa certeza de que gosto de ti, como
gostas de mim, até ao fim do mundo que me deste.

Nuno Júdice
texto encontrado em: http://50p30m.blogspot.com/
Alice e as viagens

17 junho, 2010

O que é que farias se gostasses mesmo muito de ti?


se eu gostasse mesmo muito de mim?
dava-me abraços, beijos e sorrisos, por tudo e por nada...saltava de alegria, cantava na rua, faria disparates e infantilidades e faria rir os outros de tão contente que ficaria. Ah...e fazia-me surpresas, porque se eu gostasse mesmo muito de mim iria querer surpreeender-me, para que gostasse ainda mais de mim...

se eu gostasse mesmo muito de mim...iria gostar mesmo muito dos outros.
acho que gosto mesmo muito de mim.

Alice e o mundo

16 junho, 2010

Em busca da Felicidade

"La felicidad es algo dificil de conseguir porque, em realidad, nuestro organismo no está diseñado para alcanzarla sino para ir en pos de ella.
Al fin y al cabo, si todos nuestros deseos fueran consumados, si nos sentiésemos saciados en todos los sentidos, caeríamos víctimas de la inactividad.
Y la necessidad de movermos, de luchar, de buscar lo que necessitamos, es lo que nos mantiene vivos y alerta, lo que hace que la vida tenga sentido"

Larau Carrau, La felicidad camuflada (in Redes para la Ciencia)


Alice, em viagem interna

15 junho, 2010

Vem sentar-te comigo, Lidia.

Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente
fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de
mãos enlaçadas.(Enlaçemos as mãos).
...Depois pensemos,
crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca
regressa,
Vai para um mar muito longe, para o pé do Fado,
Mais
longe que os deuses.
Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena
cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais
vale saber passar silenciosamente.
E sem desassossegos grandes.

Fernando Pessoa 

Alice e as viagens

09 junho, 2010

Assim surgiram as estrelas cadentes!

Quando do céu cai uma estrela
é porque um coração se envolveu nos mil fios do universo!

Assim, surgiram as estrelas cadentes






Textos secretos de Alice (Séc. XXI)

03 junho, 2010

no estado gasoso!

Fui em certa altura uma série de grânulos de uma qualquer luz desfeita e tendo ficado nesse estado absurdo e ameaçador peguei em mim e meti-me dentro de um frasco que tapei meticulosamente de maneira a não perder de mim qualquer parte imaginava que olharíeis para mim com imensa piedade e eu sempre soube que não conseguiria abandonar-me.


Alice e os devaneios

27 maio, 2010

Mudar de comboio!










Certo dia dei por mim a pensar no passado dos meus dias. Isso assustou-me um pouco. O que significa pensar-se no passado? Significa que deixamos de nos focar no momento de agora. E nesses segundos de distracção, perdi as preciosidades que o presente me oferecia. Interroguei-me...À quanto tempo estou parada? À quanto tempo parou este comboio nesta estação? Olhei pela janela...ao fundo as linhas intercruzadas dos carris. Corri pelas carruagens, olhando em busca, sem saber muito bem de quê ou de quem. Juro...a solidão percorreu-me a alma. Arrepiei-me. Porque fiquei eu parada tanto tempo?
O silêncio era pesado. Já não havia ar fresco.
Repentinamente, levada pela intuição de um sussurro gritei: deixem-me sair....deixem-me sair, por favor.
Mudei de comboio, pois. 

Às vezes é urgente dar o salto para o abismo e correr o risco e a oportunidade de encontrar o inesperado.

Alice, em viagem interna

21 maio, 2010

Beijos

  "¿Qué es aquello?

- Una cometa,
un destello,
un camino de luz.

Pide un deseo.

- ¿Por qué me miras con ojos traviesos?

 
- Porque le he pedido
que me des un montón de besos".

Txabi Arnal Gil.






Alice e o amor.

20 maio, 2010

Dentro de nós!

Um velho índio estava a falar com o seu neto e contava-lhe:

"Sinto-me como se tivesse dois lobos lutando no meu coração.
Um é um lobo irritado,
violento e vingativo.
O outro está cheio
de amor e compaixão."

O neto perguntou:

"Avô, diga-me, qual
dos dois ganhará a luta
no seu coração?"

O avô respondeu:

"Aquele que eu alimente."






















Alice e as estórias do mundo

16 maio, 2010

Ser grande!






 



“Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive”
Ricardo Reis 
 
Alice, em viagem interna

11 maio, 2010

Perdi-me no mar!

Perdi-me no mar
não sei em que momento
não sei em que onda
por entre o balançar de sons
perdi-me na sombra, nas vozes que tilintavam ao frio
nos rumores de ecos infindáveis
os pássaros vagueavam
poisando aqui e ali nas águas chuvosas
da nova estação

não sei bem porquê, não sei bem quando...
escondi-me do vento, tapei a cara à chuva
molhei-me de sal e espanto

o céu abriu-se em luz e eu olhei pela primeira vez
para um outro corpo imerso em sofrimento
foi aqui que tudo começou...no lugar em que o rio abraça o mar
no espaço que medeia entre a serenidade e a interrogação

encontrei-me vestida de branco
com o riso a voar nas asas do homem pássaro.
fechei os olhos e deixei-me cair a 360 graus
numa noite qualquer.

tu não estavas lá.



Textos secretos de Alice (séc. XIX)

10 maio, 2010

Palhaços voadores...palhaços pensadores

Li algures que um estudo recente prova que quando um palhaço voador se torna num palhaço pensador fica feio.Claro que isto só é verdadeiramente exacto se acreditarem que existem palhaços voadores, no verdadeiro sentido do conceito. Talvez nem seja um conceito, mas uma forma rara de levar a existência a atingir um estádio de leveza e contemplação; uma forma de colorir o centro da vida de vermelho. 
Decididamente, acho que um verdadeiro palhaço voador nunca se torna num palhaço pensador, ou não seria um palhaço voador genuíno.



Alice e os Palhaços Voadores

09 maio, 2010

A vida não cabe num circulo perfeito!


Alice, a 359 graus
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06 maio, 2010

Soon this space will be too small!




Soon this space will be too small
and i’ll go outside
to the huge hillside
where the wild winds blow
and the cold stars shine

i’ll put my foot
on the living road
and be carried from here
to the heart of the world

i’ll be strong as a ship
and wise as a whale
and i’ll say the three words
that will save us all
and i’ll say the three words
that will save us all

soon this space will be too small
and i’ll laugh so hard
that the walls cave in

then i’ll die three times
and be born again
in a little box
with a golden key
and a flying fish
will set me free

and i’ll go outside
soon this space will be too small
all my veins and bones
will be burnt to dust
you can throw me into
a black iron pot
and my dust will tell
what my flesh would not

soon this space will be too small
and i’ll go outside

Alice, em construção

05 maio, 2010

As estações mudam!

Sou da opinião que o que uma pessoa traz vestido diz muito acerca do estado da sua existência em determinado momento.Vejam só... encontrar alguém em plena Primavera, vestido de Inverno, por exemplo. Um dia de sol e um individuo assimila camisolas escuras e quentes da estação passada. Poderá ser distracção...sim. Mas deste tamanho? Do tamanho do esquecimento de si próprio?  Ou pode ser alguém com a alma em sofrimento, que não viu ainda que o sol espreita no horizonte. Se assim fôr, que cegueira dos instantes em que a vida fervilha de cores e aromas. 

Que gélido coração ao não permitir que os momentos de transformação ocorram, pois o Inverno teima em permanecer. Com o tempo, não nascerão flores e secarão as raízes.

 

 Alice, preocupada com um desconhecido

03 maio, 2010

O destino


Por vezes o destino é como uma pequena tempestade de areia que não pára de mudar de direcção. Tu mudas de rumo, mas a tempestade de areia vai atrás de ti. Voltas a mudar de direcção, mas a tempestade persegue-te, seguindo no teu encalço. Isto acontece uma vez e outra e outra, como uma espécie de dança maldita com a morte ao amanhecer. Porquê? Porque esta tempestade não é uma coisa que tenha surgido do nada, sem nada que ver contigo. Esta tempestade és tu. Algo que está dentro de ti. Por isso, só te resta deixares-te levar, mergulhar na tempestade, fechando os olhos e tapando os ouvidos para não deixar entrar a areia e, passo a passo, atravessá-la de uma ponta a outra. Aqui não há lugar para o sol nem para a lua; a orientação e a noção de tempo são coisas que não fazem sentido. Existe apenas areia branca e fina, como ossos pulverizados, a rodopiar em direcção ao céu. É uma tempestade de areia assim que deves imaginar.

(...) E não há maneira de escapar à violência da tempestade, a essa tempestade metafísica, simbólica. Não te iludas: por mais metafísica e simbólica que seja, rasgar-te-á a carne como mil navalhas de barba. O sangue de muita gente correrá, e o teu juntamente com ele. Um sangue vermelho, quente. Ficarás com as mãos cheias de sangue, do teu sangue e do sangue dos outros.
E quando a tempestade tiver passado, mal te lembrarás de ter conseguido atravessá-la, de ter conseguido sobreviver. Nem sequer terás a certeza de a tormenta ter realmente chegado ao fim. Mas uma coisa é certa. Quando saíres da tempestade já não serás a mesma pessoa. Só assim as tempestades fazem sentido.

Haruki Murakami, in 'Kafka à Beira-Mar"

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A fuga nunca poderá ser uma solução, mas apenas o adiar o inadiável. Há acasos que nos comandam o percurso; pressentimentos que nos guiam a razão e o coração.Como é bom ter momentos iluminados, em que todo o caminho, outrora perdido na obscuridade, se enche de intuições e mudança. E, seremos sempre uma mesma pessoa, transformada em mil possibilidades. Se estamos disponíveis, o universo pode ser nosso. Então, podemos partilhá-lo em pedacinhos com o mundo que nos rodeia, seja ele conhecido ou desconhecido. É por isso que trago sempre comigo um frasquinho de estrelas acolhidas  em noites despertas. Posso sempre dar uma a alguém especial que encontre no meu caminho.
Alice, em viagem interna

30 abril, 2010

Altura de Alice


Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não, do tamanho da minha altura... 

29 abril, 2010

Os graus da existência

Tenho um amigo especial com o qual falo sobre os ângulos e os graus da existência: 360º, 180º e 90º

Mas no fundo, falamos é de impossibilidades, sorrisos e estrelas cadentes
É maravilhoso saber que existe pelo menos alguém que transforma connosco a Matemática em Poesia.

Alice, em viagem interna

28 abril, 2010

Já ninguém se apaixona?


'Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço.(...)
-
Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo? O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso “dá lá um jeitinho sentimental”. Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade.
-
Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A “vidinha” é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser.
-
O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha – é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado do que quem vive feliz. Não se pode ceder, Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra!"


Miguel Esteves Cardoso
Alice e o amor