05 julho, 2010

Das cumplicidades.


o deserto a pairar no teu olhar.

não exclamavas sinais indecisos mas eu vagueava no vazio.
o gosto pela dúvida arruinava-me. era o desencanto...emergia no teu peito um tremor cálido de embaraços sempre contidos pela distância ténue e abismal que nos separava.
envolvia-me uma sombra túmida da qual dificilmente me libertaria, uma vez que a desolação era uma noite contínua.
no espaço gasoso duas formas simétricas ocupavam o mesmo espaço, limitado por linhas coloridas, já quebradas pelo embate. o ar impregnara-se de silhuetas orgânicas e deambulavas obsessivo como se me pretendesses alcançar e imediatamente libertar-me desse emaranhado de sensações e orgasmos fictícios.

ao fim da tarde iniciavas os cânticos do sol poente, murmurando sensualidades nos meus cabelos. ficava a pairar por entre o xaile negro...
não existia um tempo calculado e então, proliferavam ecolalias de desesperos, em mim, como se me afugentasses em cada momento da tua solidão.

eram reminiscências do passado que eu juntava ao olhar para o papel impresso de imagens. uma súbita sufocação pelo enlace das mãos e rapidamente o ódio pela paragem do tempo, imposto pela máquina. deixavas-te cobrir pelos picos de chuva que se reproduziam ensanguentados; depois o céu aberto em alucinações de mil corpos.

passava, roçando os cabelos no vento e com uma pedra esmagava-te a base do crânio até escorreres espanto. sorrias, desacreditado.

enterravas as velas na terra em actos de prestidigitação e intuía-se que o futuro seria melhor; mas, quase morrias no pesadelo criado. eu fui-me embora.

a vergonha da escuridão. vias-me nos templos, a passear nos véus, envolta em ares de nudez plácida e rapidamente tudo se esvanecia. porque pensarias nisto?
eramos anciães a procurar o passado longínquo, acumulado em reencarnações contínuas. porém, confundia-nos a incerteza do caminho...existia uma dúvida; podia não ser agora. regurgitavas exclamações num vómito fétido e quente; eu amava-te.

e percorria nas têmporas, o hálito adocicado da manhã, enquanto eras só de um corpo, para depois te multiplicares em razões inquestionáveis, porque , como eu depreendia, no âmago da cidade, o ar era claustrofóbico e não sabias qual era o ponto exacto da ruptura. nem eu.

a humidade desmaiava nas minhas mãos e eu apertava-as para redefinir a lógica delicada das emoções. em vão dizia-te que nos céus não há sons e logo cravavas interrogações. abandonavas-te em quimeras distantes do tempo ciciado em rumores.
sentias uma espécie de exaltação interior que se espalhava como uma doença maligna e se ia escondendo em cada recanto do teu corpo, nos poros suados, na mente que não parava de imaginar situações impossíveis; um arrepio que subitamente me aflorava a alma e descia pelos riachos do teu olhar. isto significava lágrimas de imagens passadas e lugares que conhecêramos; significava as folhas nos plátanos doirados quando o sol foge agoniado pelo embalo do mar. e no âmago incerto, eras a pedra que sustentava a angústia profícua do meu claustro.

desconhecia que depois jamais te iria encontrar... envolvia-me em desmemorizações e achava-te nas profundezas do filme. após a guerra nada restou... o silêncio de cor púrpura fincou as mãos na terra, imobilizando-me e as formigas caminhavam estremecidas pelo bater do coração. tornava-se inseparável o homem, da ausência no teu olhar. 
este mantinha-se em riste, perdido no céu vazio e a contemplação tornou-se o meu desespero. levantavas os braços e tudo se camuflava de areia branca, a ousar o domínio da razão, em correntes estáticas. eu já não sabia qual era o teu corpo, porque viajava incógnito na paisagem.

na melancolia sussurrante contavas-me os sonhos em vez das horas; eu, respirava o mundo em círculos giratórios. no tempo da luz, havia ilusões a dominar o pensamento das pessoas e o abraço era cruel, por entre as deambulações das mandíbulas famintas. 
nunca mais haveríamos de continuar por entre as cortinas, a ver ao longe um mundo que não era o nosso.

eramos poderosos de garras rendidas ao sonho e tudo podia esperar. ao fim da tarde começaste a ser uma névoa morna de cuidadosas transformações. mas aos poucos o céu foi transparecendo de outras imagens e eu já não podia avistar-te. 

quando a escuridão se tornou total eu soube nesse instante que tinhas morrido.

e no entanto, mesmo depois do silêncio chegado, quantas clausuras nos emparedaram. a interrogação abrupta tornou-se a minha sombra.

amedrontam-me as figuras do bosque, no dia claro, agora que já não estás aqui.
a rua já não é a mesma rua; enche-se de lágrimas de vez em quando e o mar inunda de angustias os meus dias.
se eles vierem cobre-me de pétalas de flores, para que eu possa ser o segredo nas tuas mãos... 
e deixa-me gritar.
In Cumplicidades, de Alice Laranjeira
(As 4 Luas de Júpiter)