11 julho, 2012

O Princípio.

O álbum ilustrado - O Princípio -  de Paula Carballeira e Sonja Danowski foi para mim um achado precioso nos últimos dias. Sem dúvida que em tempos como os que correm diante de todos nós, pleno de dificuldades,monstros gigantes, os olhos teimam em não ver os moinhos de vento ao longe.  Ler estas palavras faz-me refletir sobre a maneira de se contornar os momentos mais ingratos.
Tenho para mim que muitas das vezes teimamos em deprimir com o que nos acontece, sem conseguirmos avistar o que de bom continuamos a ter. Sem dúvida que sem coragem, perseverança e muita insistência nada se consegue. Quando alguém sorrir, será de certeza o princípio de algo.


Uma vez houve uma guerra.


Quando a guerra acabou, ficámos sem casa.
- Não importa - disse a mãe. - Temos um carro.
Passámos a viver no carro.
Desde então, viver era viajar.
Depois fomos ficando sem roupa.
- Melhor - disse o pai -, menos para lavar.
Tomávamos banho vestidos no rio
e estendíamo-nos ao sol para nos secarmos.
Não havia luz elétrica,
por isso os barulhos da noite
metiam ainda mais medo
e dormíamos muito mais perto
uns dos outros.
Toda a gente estava triste.
Tinham queimado os livros da biblioteca.
O chão estava coberto de vidros.
Levámos algum tempo a habituar-nos a caminhar
entre os vidros e as cinzas.
Um dia,
alguém começou a brincar.
Outro dia, uma menina
que ninguém conhecia
soltou uma gargalhada.
Depois dessa,
houve mais.
Um velho cozinheiro sentou-se
e começou a falar de receitas.
As suas palavras mataram-nos a fome.
Pelo menos nessa tarde.
Quando o sol se pôs, os carros desejaram
boa noite uns aos outros com as buzinas.
Era como se estivessem vivos.
Estávamos vivos.
Foi como uma festa.


A festa do princípio de algo.


Paula Carballeira
Sonja Danowski





















Alice e as descobertas.

09 julho, 2012

Cansaço.

Álvaro de Campos falava de um cansaço - de um cansaço interior - "um supremíssimo cansaço" que se carrega como uma pedra que nos afunda algures. Por vezes sinto assim, esse pesar dos dias que correm e encontro nas palavras de alguém uma tradução fiel dos sentimentos, dessa espécie de desalento que me invade.
Ao refletir essas emoções, sei que é uma espécie de "desesperança" no horizonte do tempo, nos rostos dos que por mim passam ou até talvez uma demasiado grande exigência face ao mundo. Às vezes insistem em moldar-me e eu vou ver o mar.
Hoje é só esta sonolência vaga de quem quer acreditar que o amanhecer será outro, uma vontade de esquecer a realidade plena de multidões invisíveis.
Pelas mãos do José Luis Peixoto, deixo-vos estas palavras tão belas.


não. ninguém saberá o que aconteceu.
estou muito cansado.
apetece-me dormir até morrer.
José Luis Peixoto
a criança em ruínas



imagem de Helena Almeida
Alice a caminhar sozinha