Tenho para mim que muitas das vezes teimamos em deprimir com o que nos acontece, sem conseguirmos avistar o que de bom continuamos a ter. Sem dúvida que sem coragem, perseverança e muita insistência nada se consegue. Quando alguém sorrir, será de certeza o princípio de algo.
Uma vez houve uma guerra.
Quando a guerra acabou, ficámos sem casa.
- Não importa - disse a mãe. - Temos um carro.
Passámos a viver no carro.
Desde então, viver era viajar.
Depois fomos ficando sem roupa.
- Melhor - disse o pai -, menos para lavar.
Tomávamos banho vestidos no rio
e estendíamo-nos ao sol para nos secarmos.
Não havia luz elétrica,
por isso os barulhos da noite
metiam ainda mais medo
e dormíamos muito mais perto
uns dos outros.
Toda a gente estava triste.
Tinham queimado os livros da biblioteca.
O chão estava coberto de vidros.
Levámos algum tempo a habituar-nos a caminhar
entre os vidros e as cinzas.
Um dia,
alguém começou a brincar.
Outro dia, uma menina
que ninguém conhecia
soltou uma gargalhada.
Depois dessa,
houve mais.
Um velho cozinheiro sentou-se
e começou a falar de receitas.
As suas palavras mataram-nos a fome.
Pelo menos nessa tarde.
Quando o sol se pôs, os carros desejaram
boa noite uns aos outros com as buzinas.
Era como se estivessem vivos.
Estávamos vivos.
Foi como uma festa.
A festa do princípio de algo.
Paula Carballeira
Sonja Danowski
Alice e as descobertas.