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19 dezembro, 2011

A arte de ser feliz

Um dia escrevi assim: A felicidade é um momento; muitos momentos. Aproxima-se lentamente. Surge no horizonte e deixa-se cair por entre chuva miudinha com aroma a jasmim Quando encontrei o poema de Cecilia Meireles sobre a arte de ser feliz senti-me ouvida, numa espécie de sintonia. Ela escreve assim: 


Houve um tempo em que minha janela
se abria sobre uma cidade que parecia
ser feita de giz. Perto da janela havia um
pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra
esfarelada, e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre
com um balde e, em silêncio, ia atirando
com a mão umas gotas de água sobre
as plantas. Não era uma rega: era uma
espécie de aspersão ritual, para que o
jardim não morresse. E eu olhava para
as plantas, para o homem, para as gotas
de água que caíam de seus dedos
magros e meu coração ficava
completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o
jasmineiro em flor. Outras vezes
encontro nuvens espessas. Avisto
crinças que vão para a escola. Pardais
que pulam pelo muro. Gatos que abrem
e fecham os olhos, sonhando com
pardais. Borboletas brancas, duas a
duas, como refelectidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem
personagens de Lope de Vega. Às
vezes um galo canta. Às vezes um
avião passa. Tudo está certo, no seu
lugar, cumprindo o seu destino. E eu me
sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas
felicidades certas, que estão diante de
cada janela, uns dizem que essas coisas
não existem, outros que só existem
diante das minhas janelas, e outros,
finalmente, que é preciso aprender a
olhar, para poder vê-las assim.



Cecilia Meireles



Alice a caminhar sozinha

26 maio, 2011

O esconderijo do homem triste

Sento-me e tento por instantes forçar uma concentração que não surge. As palavras flutuam sobre mim; tento agarrá-las e obrigá-las a ficar neste papel. Sinto-me aprisionada a um tempo e nada mais. Apenas em pensamento fujo; já corri do passado corajosa; já me perdi desse aprisionamento. Eis que me lembro de um texto, que aliás, como quase tudo em Al Berto, serve para ir traduzindo estes estados de ânimo e de escrita.


Não sei o que me aconteceu para ficar tão triste. 
Lembro-me de ter percorrido meio mundo à procura de imagens. Tinham- me dito: é no movimento incessante de quem viaja que encontrarás a imobilidade que desejas. 
Mas eu não sabia para onde ir. Deambulei anos a fio, e nunca encontrei as imagens que queria. Gastei as parcas forças que tinha neste trabalho, até que um dia me perdi junto ao mar. 
Resolvi construir, ali mesmo, uma casa. 
Tencionava não sair mais daquele lugar onde me perdera. Imobilizar- me, viver e envelhecer dentro de quatro paredes nuas erguidas pelas minhas mãos. Morrer frente ao mar, sozinho, como num romance que lera havia anos. Esperar que a casa se esboroasse e me servisse, por fim, de túmulo. 
Assim não aconteceu. Algum tempo depois, a casa transformou-se subitamente em prisão. E talvez tenha sido isso que me pôs, assim, triste para sempre. Custava-me a crer que aquilo que eu próprio construíra acabasse de me atraiçoar. 
Assustei-me e fugi nessa mesma noite. Ignoro o que se passou com a casa. Não sei se ainda existe... o que sei é que a meio daquela fuga deseperada ocorreu-me o que me levaria, enfim, a encontrar o esconderijo para a minha imobilidade. 
É desse lugar iluminado que, hoje, vos falo. 
Fui ter com um fotógrafo meu amigo e pedi-lhe para me retratar. Ele acendeu um foco(...).

Al Berto, in o Anjo Mudo






















Alice a caminhar sozinha 
foto de Elena Kalis   

25 maio, 2011

Your hand in mine!

Escrevo o que ainda  conheço
nomes de ruas pássaros árvores
monólogos de quem ainda te fala alto
é a minha voz ou a tua?
lá fora a chuva confunde-se com gestos
falamos do tempo, ponte entre o silêncio e o nada
ouve, quando não fores capaz de falar, toca-me
(de Maria Sousa)
Alice a caminhar sozinha

Nada ou o Tédio!

Existem dias em que a vida nos atordoa; em que só apetece que chegue o sono e com ele o esquecimento. E nestes momentos refugio-me na poesia - existem palavras que foram escritas a pensar em nós. Deixo-vos com este breve poema de Cristovam Paiva: "Nada ou tédio".
Do futuro não apetece nada,
Do passado não tenho saudades de nada,
Do presente não me seduz nada,
Apetece-me dormir num buraco escuro.
- E que ninguém fale de mim!



Alice a caminhar sozinha.

10 dezembro, 2010

Faz-me falta a maresia.

Nos dias de chuva, se não posso ver o mar, 
gosto de o imaginar dentro do meu quarto. 
Faz-me falta a maresia.
Então oiço Arvo Part.

Alice a caminhar sozinha.

Partir.

Era ainda noite fechada
Levantei-me e parti. 
Fui em direcção ao mar. 
Segui a rebentação das ondas, apanhei conchas, 
contornei falésias; 
afastei-me de casa o mais que pude. 
Vi a manhã erguer-se, branca, e envolver uma ilha; 
vi crepúsculos e noites sobre um rio,
amei a existência.
Al Berto

Alice a caminhar sozinha